quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sobre o Ainda

Porque verdade sem amor é crueldade
Porque ainda tem...
Ainda têm pias injetando todos os dias
Mulheres dizendo “você não me conhece”
Ainda tem...
Mesmo que precisão seja coisa pra quem julga
E não para quem se entrega às esferas
E ainda tem hoje
O dia inteiro tem
E ainda tem a vida toda
O que resta da vida toda
E os restos de todas as vidas
E as novas e dessas as que virão
E as que não
As tanto, as tão, as nem
Ainda tem
Um enigma não é espantalho
Que também tem
Porque enigma não é espantalho
Que também tem
Mesmo que ninguém saiba decifrá-lo
Ainda tem
Um trem e uma rima
Ainda tem uma menina correndo de vestido rosa contra o fundo verde
Ainda tem Suécia e Grécia e Suíça
E míssil e missa
E fóssil e glossário
Ainda tem aquário e peixe boiando
E o otimismo dos que se privam
E um jardim da saudade e um cemitério do coração
Ainda tem
Ou menos ou mais
E tem você
Que não me tem
Mas eu ainda tem
E tem fuck you e fúcsia
E um mundo melhor sem música
E um quarto vago num prédio abandonado na rua da amargura
Ainda tem
Os outros e ninguém
Tem um monte de caminhos
E a vontade de percorrê-los
E a preguiça de perseguí-los
Na rua em que só se fala socorro alguém gritou eu
Ainda tem o poeta que unificou os títulos
Da confederação brasileira de poesia
Da associação de da super-liga
E que na verdade é um cara simples
Ainda tem ar
AR-15 e o barco desde o rio
Ainda tem
A falta de sentido da vida
A flexibilidade que tudo exige e que acumula detritos na garganta, ali, onde já não há mais paladar e tão somente a matéria pequena, irritadiça, frívola;
E o medo ricocheteando o medo de ter medo...;
O corpo envelhecendo e seus passados;
E cada virgindade;
E o aprendizado da solidão e sua temperatura única;
E os fantasmas reencarnando em fantasmas em outros ou até em si mesmos;
E o infinito e todas as suas máscaras: as máscaras dos livros, dos acontecimentos, o eterno baile de máscaras, de infinitos como espelhos sem vidro: a tinta metálica sobre o ar polido
Tem cinema, Ipanema, novena, novela, vela e nó
Tem re-pe-tir tu-do
Ou
Umpedaçosó
Mas tem
E não faltará nada

E faltará tudo
Porque ainda tem o mundo
E então um menino sentando no chão pensando ou sonhando
Porque pra um menino sentado no chão
Não tem diferença entre pensar e sonhar
E não faltará método nem protagonista
Porque ainda tem
Uma roça escura pra capinar sob a lua
Ainda tem mulher nua e decidida
Tem feridas sem cura
E curra sem dor
E não faltará
Nem talvez
Porque ainda tem
De novo e outra vez
A glote, a epiglote, o culote
Sufixos e crucifixos
Pais-nossos e filhos-da-puta
Ainda tem culturas e cacatuas e croatas
E arraiais e arraiais
Ainda tem do céu pra cima e da terra pra baixo
Ainda tem tanta coisa
Mas tanta coisa
Que também não tem então
E daí tem de novo
E pára e volta
E pára pra sempre e não volta nunca mais
E é incessante
Porque ainda tem
Sempre

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