' Não conheço seu nome ou paradeiro. Adivinho seu rastro e cheiro . Vou armado de dentes e coragem . Vou morder sua carne selvagem . Varo a noite sem cochilar, aflito . Amanheço imitando o seu grito, me aproximo rondando a sua toca e ao me ver você me provoca . Você canta a sua agonia louca . Água me borbulha na boca . Minha presa rugindo sua raça, pernas se debatendo e o seu fervor. Hoje é o dia da graça, hoje é o dia da caça e do caçador . Eu me espicho no espaço feito um gato pra pegar você, bicho do mato. Saciar a sua avidez mestiça, que ao me ver se encolhe e me atiça . E num mesmo impulso, me expulsa e abraça . Nossas peles grudando de suor . Hoje é o dia da graça, hoje é o dia da caça e do caçador . De tocaia, fico a espreitar a fera . Logo dou-lhe o bote certeiro . Já conheço seu dorso de gazela, cavalo brabo montado em pêlo . Dominante, não se desembaraça . Ofegante, é dona do seu senhor . Hoje é o dia da graça, hoje é o dia da caça e do caçador . '
Caçada, Chico Buarque
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